sábado, 28 de novembro de 2009

VII OFICINA - UNIDADES 21 E 22 - TP6

As unidades 21 e 22 do tp6 referem-se, respectivamente, à Argumentação e linguagem e à Produção textual: planejamento e escrita. Como "todo o uso da linguagem é argumentativo, pois estabelece uma interação com o outro, uma relação de fazer social..."(TP6, p.13) e como todo texto é linguagem expressa, defender pontos de vista e planejar (mesmo que inconscientemente) os textos que fazem esse trabalho devem ser atividades constantes na prática docente.
Essa certeza de que precisamos ser convincentes e organizados para fortalecer a defesa de nossas ideias, orienta-nos ao trabalho cada vez mais próximo da nossa realidade e dos nossos alunos, fazendo sentido cada ponto abordado e defendido.
Para enriquecer a teoria das unidades acima citadas, após muita discussão sobre argumentação e linguagem, formadores e cursistas (todos juntos) tiveram a oportunidade de presenciar uma palestra sobre o "Projeto Anitápolis", ministrada pelo professor Haroldo de Oliveira Silva, que expôs sobre a decisão de duas multinacionais, Bunge (EUA) e Yara (Noruega), de implantar uma fosfateira em plena mata atlântica, na pequena e bela cidade de Anitápolis, região de Florianópolis. O professor mencionou as terríveis consequências ao meio ambiente regional, desde a contaminação da água, morte de animais, desmatamentos, até a inevitável mudança (para pior) na vida dos moradores, que, na sua maioria, têm como principal fonte de renda a agricultura.
Após essa exposição, os cursistas fizeram, a partir de provérbios, textos argumentativos sobre o tema da palestra. Nesses textos, foram evidenciados aspectos positivos e negativos referentes ao projeto Anitápolis. Em seguida, todos receberam o texto (crônica) de Luis Fernando Veríssimo, " O verão de 92", que trata de maneira divertida e crítica a poluição da natureza.

"O VERÃO DE 92”

(Luís Fernando Veríssimo)

As minhas férias. Composição. 10/3/1992.

Nas férias eu fui quase todos os dias à praia. Apesar dos protestos de mamãe. Mamãe não gosta de praia desde que um parente dela foi dar um mergulho e se dissolveu na água.
Meu pai diz que é bobagem, que é só a gente prestar atenção nas bandeiras. Bandeira branca é quando o mar está cheio de detergente. Não há perigo. É só a gente não chegar muito perto da espuma superativada.
No ano passado o meu irmão menor, o Tuca, brincou muito com a espuma e está até hoje com uma estranha luminosidade.
Dentro de casa não dá para ver bem mas, quando a gente faz o teste da janela com o Tuca, ele brilha.
Mamãe sempre grita para a gente ter cuidado para não largar o Tuca da janela do apartamento, mas ele gosta.
Bandeira amarela é arsênico. Dizem que também não tem muito perigo, contanto que a gente não abra a boca nem os olhos embaixo da água.
Mas no último campeonato de surf que fizeram no Arpoador com bandeira amarela, quando os competidores ficavam de pé na prancha não tinham mais calção e quando chegavam na praia não tinham mais a prancha.
E a parafina do cabelo ficava verde e o cabelo começava a cair. O que dava de gatão escaldado!
Bandeira vermelha é mercúrio. Também não é perigoso, mas a pessoa deve ficar em observação durante 24 horas depois de sair da água. Se as unhas começarem a encolher, deve-se chamar um médico.
Bandeira preta é óleo na água. Isto é o mais comum. É chato porque suja, mas também não tem muito perigo.
Até hoje só houve três ou quatro casos de pessoas que ficaram tomando muito sol depois de um mergulho no mar cheio de óleo e se incendiaram.
Bandeira preta esfarrapada com caveira é ácido. Isto sim é perigoso. Nesse a onda é que fura você. Neste verão eu inventei de testar a água num dia de bandeira preta e é por isso que estou com o pé enfaixado. Sinto uma falta do dedão...
Mas a praia continua uma beleza, depois que a gente se acostuma com o cheiro de amoníaco e peixe morto. Mesmo quando não dá para entrar na água e sair inteiro há muita coisa para fazer.
Castelo de farelo de carcaça, por exemplo. Ou escalar cadáver de baleia. Em alguns trechos a gente enxerga areia por baixo das camadas de marisco podre.
Papai diz que antigamente a praia era só areia, mas não dá para confiar muito nele. Ele também diz que o mar era verde e que peixe se comia.
Joguei muito futebol na praia antes de perder o dedão. Era difícil formar os times porque ninguém queria jogar na ponta e pegar um respingo do mar no olho e ficar cego.
O chão de osso de peixe rala o joelho da gente e, quando a bola cai na água, explode. Mas foi ótimo.
Apesar de tudo, ainda tem gente que nada até além da rebentação. É muito arriscado. O perigo não é o afogamento, é respirar o vapor que sobe da água.
Banhista não entra mais no mar para salvar ninguém. Salva por megafone. Fica gritando "Vem! Vem!" e, quando o afogado chega na praia e o banhista vai fazer respiração artificial, não junta mais gente como antigamente. Agora todo mundo sai de perto porque pode esguichar.
Todo dia tem novidade na praia. Nossa turma ficava torcendo que aparecesse menininha com maiô de crochê, que não precisava nem entrar na água, se desmanchava com a brisa do mar.
Teve um dia que uma fileira de caranguejos saiu de dentro da água, andando de lado e meio cambaleando. Dizem que o da frente trazia uma bandeira branca, mas isto deve ser invenção.
O cheiro do mar era tão forte que um dia abateu um daqueles aviões que passam com faixa de propaganda. O piloto saltou de pára-quedas sobre a água, mas o pára-quedas, em vez de descer, subiu.
Um dia foi uma grande sensação. Apareceu uma gaivota. Todo mundo correu para ver. Eu só conhecia gaivota de ouvir papai falar. A gaivota rodou, rodou e, de repente, mergulhou na água.
Quando apareceu outra vez tinha um peixe preso no bico. Mas logo cuspiu o peixe fora e disse - deu para ouvir direitinho, da praia - "pshaft!" Depois voou para longe. Todo mundo riu. Mas não muito.
Luís Fernando Feríssimo, escreveu em 1978 esta crônica, com exagero. Colocou a poluição que existiria em 1992. Felizmente, ainda não aconteceram os horrores imaginados pelo humorista. Mas, se o Projeto Anitápolis não for paralisado, muito em breve o sul de Santa Catarina terá
a realidade da crônica de Luís Fernando Veríssimo.

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